SABIA QUE...?

Abril 21 2005
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Antecedentes

Em 1974 o regime político português encontrava-se ao nível político e social praticamente esgotado. Os ventos de mudança tinham chegado a Portugal. Salazar morrera já há cinco anos. Os portugueses, aproveitando uma era de expansão económica - que viria a acabar com a subida do preço do petróleo em 1973 - já tinham deixado de comer a meia sardinha e de comprar sapatos a prestações. O número de automóveis e televisores subia em flecha. Entretanto, a guerra colonial continuava há já 13 anos, sem solução à vista, e fazendo Portugal quase figura de D. Quixote, pois todas as antigas potências coloniais haviam já promovido a independência das suas colónias. Embora o número de mortos e feridos nessas guerras não fosse elevado - cerca de 1000 a 2000 por ano -, a ida para o Exército não deixava de ser um risco. A situação nos campos também se havia modificado, com a partida de centenas de milhar de homens, "a salto" (isto é, emigrando ilegalmente), para a França, Luxemburgo e Alemanha, o que tornou os trabalhadores menos dependentes dos antigos patrões e mais conhecedores das realidades europeias. Finalmente, o primeiro-ministro da altura, o professor Marcello Caetano, era muito mais professor do que político, e não era certamente um condutor de homens. Discursava na televisão em longos monólogos, que denominou "Conversas em Família", nas quais, sem malícia, expunha as suas dúvidas: "Pensei muito e não encontrei outra solução...", disse uma vez, referindo-se à Guerra Colonial.

Arrastando-se a guerra em África, como se disse, há já 13 anos, e abundando os empregos civis, escasseavam as vocações militares, pelo que o Governo teve uma ideia: e se fôssemos buscar os antigos oficiais milicianos que já tivessem cumprido uma comissão de serviço no Ultramar, lhes déssemos um curso acelerado (dois semestres na Academia Militar) e os promovêssemos a capitães? Não seria uma boa forma de colmatar a nossa falta de quadros?


A medida, entretanto, foi muito mal recebida pelos militares de carreira, que viam o seu "espaço" ser invadido pelos "paisanos". As reuniões de protesto multiplicavam-se.
Em Outubro de 1973 estes decretos foram suspensos; mas os militares, como que tendo tomado o gosto à discussão dos problemas, não só não desmobilizam como começam a abordar nas suas reuniões o problema do fim da guerra e da queda do regime. Como movimento composto por militares (uma das particularidades deste movimento era, aliás, o ser constituído quase exclusivamente por capitães, os quais, devido às condições particulares da guerra em África, se haviam habituado a proceder com autonomia), escolheu para sua cúpula as mais altas chefias militares - o chefe e o vice-chefe do Estado Maior do Exército, generais Costa Gomes e António de Spínola. Embora as reuniões fossem preparadas com poucos cuidados conspirativos, e por isso não passassem despercebidas à polícia política (Direcção-Geral de Segurança; herdeira da PIDE, Polícia de Informação e Defesa do Estado), esta não estava preparada para actuar numa situação deste tipo, pois sempre tinha visto os militares como seus superiores e com eles tinha colaborado na guerra de África.

Em Fevereiro de 1974, António de Spínola, vice-chefe das Forças Armadas, general corajoso e estimado pelas tropas, provoca um terramoto político ao propor na sua obra "Portugal e o Futuro", que havia sido autorizado pelo seu superior hierárquico, o general Costa Gomes, uma evolução das colónias portuguesas para uma comunidade de Estados. Surpreso, o regime demite a 14 de Março estes dois oficiais (bem como o almirante Bagulho) e promove uma manifestação de apoio por parte das chefias militares. Estas demissões dos chefes máximos do movimento desencadeiam, logo no dia 16, a "Revolta das Caldas"; mas o movimento, mal estruturado, resume-se à saída do Regimento das Caldas da Rainha, que, sem apoios, volta nessa mesma noite para o quartel. Mais uma vez, Marcello Caetano, com certa frouxidão, não toma as medidas necessárias e na sua última "conversa em família", a 28 de Março, subestima o sucedido.

Um mês e uma semana depois sai à rua nova revolução, desta vez mais estruturada. O Governo apenas consegue opor aos revoltosos os carros de combate de Cavalaria 7. Na alvorada do dia 25 de Abril, Governo e revoltosos defrontam-se no Terreiro do Paço.


A revolução

A Ditadura Militar instituída a 28 de Maio de 1926 deu origem, volvidos escassa meia dúzia de anos, ao Estado Novo idealizado e gerido por Salazar. Afastado este do poder, por doença incapacitante, a chefia do governo é entregue a Marcello Caetano, que, entre outros problemas por resolver, herda uma guerra colonial em três frentes, sem solução militar à vista nem vontade política de optar por uma solução política negociada. Cansados da guerra, os militares profissionais encetam movimentações de carácter corporativo que rapidamente se transformam em reivindicações políticas, acabando por encarar como única saída o derrube do regime pela força.

Será o Movimento das Forças Armadas (MFA) que irá desencadear uma revolta militar em grande escala, conseguindo derrubar o regime sem o emprego da força e sem causar vítimas. Depois de uma tentativa frustrada, protagonizada pelo Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, a 16 de Março de 1974, o processo revolucionário acelera. Na noite de 24 para 25 de Abril, duas estações de radiodifusão lançam para o ar duas canções que irão adquirir um simbolismo particular (E Depois do Adeus, interpretada por Paulo de Carvalho, que soa como uma despedida do governo marcelista, e Grândola, Vila Morena, interpretada pelo poeta banido José Afonso, um conhecido opositor do regime, canção esta que transporta uma mensagem de conteúdo democrático ao evocar a vilazinha de Grândola, onde "o povo é quem mais ordena"), desencadeando as operações militares, superiormente coordenadas pelo major Otelo Saraiva de Carvalho.

Em perfeita coordenação, elementos envolvidos na conspiração tomam conta das respectivas unidades, formam colunas de voluntários, convergem para os grandes centros e ocupam todos os pontos estratégicos do país, colocando as forças fiéis ao governo em posição de desvantagem e na defensiva. Sem disparar um tiro, cobrem praticamente todo o país.

Dois momentos de tensão apenas se registam naquela primeira fase, ambos em Lisboa, ambos protagonizados por um jovem capitão de Cavalaria, Salgueiro Maia - um encontro com um destacamento de blindados obediente ao Governo, que por pouco não redunda em acção de fogo, mas que se resolve quando as tropas envolvidas se colocam às ordens de Salgueiro Maia; outro, horas mais tarde, quando o mesmo oficial manda abrir fogo sobre a parede exterior do quartel da GNR no Carmo, como forma de "persuadir" Marcello Caetano, lá refugiado, a render-se. O chefe do Governo acaba por se render ao General António de Spínola, com medo de que o poder "caísse na rua", e a tensão desce.

Só um incidente irá manchar os acontecimentos: agentes da DGS, barricados na sua sede, abrem fogo sobre manifestantes, causando alguns mortos e feridos. Apesar da sua brutalidade, não passa de um acto de desespero, não sendo sequer um acto de defesa do regime. Tal como a Monarquia a 5 de Outubro de 1910 e a República a 28 de Maio de 1926, um regime cai por não ter já quem o defenda e queira dar a vida por ele.


Os revoltosos fizeram sair do Quartel do Carmo o primeiro-ministro, Marcello Caetano, e o Presidente da República, Américo Thomaz, num carro de combate ("Chaimite"), a fim de os poupar à exaltação da multidão. Pouco depois seriam transferidos para a ilha da Madeira, e daí, a 20 de Maio, para o Brasil, com o que a revolução criou um precedente de tolerância que iria servir, em fases posteriores, para permitir ultrapassar as dificuldades sem derramamento de sangue.

Algumas horas após a transmissão de poderes de Marcello Caetano para as mãos de Spínola, constitui-se um órgão governativo provisório, com representação de todos os ramos das Forças Armadas (a Junta de Salvação Nacional; os militares subalternos que acabavam de fazer triunfar a revolução do "Movimento dos Capitães", em nome do respeito pelas hierarquias, entregavam o poder nas mãos de oficiais generais.


Logo a 26 de Abril os presos políticos (128) são libertados; Álvaro Cunhal, chegado a Lisboa, dá a sua primeira entrevista em cima de um tanque, prefigurando talvez a sua estratégia de conquista do poder ligado ao Exército; Mário Soares, secretário-geral do Partido Socialista, e outros refugiados no estrangeiro voltam também para Portugal. Os membros da polícia política são presos.


Nos meses que se irão seguir, o país assiste a uma movimentação febril sem precedentes: constituem-se partidos das mais diversas orientações, fazem-se e desfazem-se alianças, manifesta-se a força das organizações sindicais, floresce uma variadíssima imprensa livre, a vida social sofre transformações de um extremo e inesperado radicalismo; estabelecem-se relações diplomáticas com todos os países do globo; procede-se à descolonização por via negocial) mas também se vive o perigo dos golpes militares de orientações diversas, surge o terrorismo como método político e o país chega a sentir-se ameaçado pela guerra civil, até que, nos finais de 1975, se alcança uma situação que permite caminhar para a estabilização de um sistema político democrático.

Nestes meses de vida política e social agitada, alguns acontecimentos marcantes assinalam as viragens sucessivas da evolução política: a manifestação pró-spinolista da "maioria silenciosa" de 28 de Setembro de 1974, que conduz à renúncia de Spínola; o golpe militar spinolista de 11 de Março de 1975, travado por um contragolpe, que dá início a uma fase de grande tensão (o "Verão quente" ou PREC), e por fim o golpe militar lançado por forças esquerdistas em 25 de Novembro de 1975, prontamente anulado por um contra-golpe que instala no poder forças políticas que irão proporcionar a consolidação da democracia parlamentar.

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Cravo: o símbolo da revolução

No próprio dia da revolução, uma pastelaria na Baixa preparava-se para comemorar mais um aniversário oferecendo flores a todos os clientes. A funcionária encarregada de comprá-las passou pelos militares e começou a distribuí-las - cravos vermelhos. Os soldados puseram-nos nos canos das espingardas.

Esta imagem feliz de uma arma que, ainda que dispare, só irá atirar flores, foi captada por fotógrafos e adoptada para cartaz largamente divulgado. O cravo tornou-se a imagem da revolução e o 25 de Abril ficou conhecido (pelo menos nos seus primeiros tempos) como a "Revolução dos Cravos".

publicado por Lumife às 01:12

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