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De calças remendadas e botas rotas, é a eterna vítima dos partidos regenerador
e progressista, dando a vitória a uns ou outros em época eleitoral. Usando como
expressão corporal o manguito e a mão coçando aflita a grenha farta, foi sem
dúvida um trunfo na denúncia duma economia capitalista frouxa nas páginas
d'A Lanterna Mágica, berço da genial criação do símbolo do povo português.
O sucesso obtido foi tal que Bordalo acabou por recriar no barro, em tinteiros,
cinzeiros e apitos, a figura-símbolo do povo português ao lado da inseparável
Maria da Paciência, velha alfacinha alcoviteira.
«Crescido, Zé Povinho correspondeu perfeitamente às esperanças que n'elle
depositaram os solicitos poderes do reino. Como desenvolvimento de cabeça elle
está mais ou menos como se o tivessem desmamado hontem. De musculos, porém,
de epiderme e de coiro, endureceu e calejou como se quer, e , cumprindo com brio a
missão que lhe cabe, elle paga e súa satisfactoriamente. De resto, dorme, resa e dá
os vivas que são precisos. Um dia virá talvez em que elle mude de figura e mude
tambem de nome para, em vez de se chamar Zé Povinho, se chamar simplesmente
Povo. Mas muitos impostos novos, novos emprestimos, novos tratados e novos
discursos correrão na ampulheta constitucional do tempo antes que chegue esse dia
tempestuoso.
Por tudo pois, ao resumirmos n'estes leves traços, a interessante historia de Zé
Povinho, o nosso parabem cordeal a seus sabios e carinhosos paes ós Publicos
Poderes.»
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(João Ribaixo- Ramalho Ortigão)
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Zé Povinho
Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha
Museu Rafael Bordalo Pinheiro
Fotografia de Ricardo Grilo in Casa Decoração