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Vamos agora ao escândalo por detrás das eleições nas ilhas. E que consiste no inacreditável número de deputados regionais - 52 nos Açores e 68 na Madeira - eleitos para representarem populações de cerca de 200 mil eleitores. E em sobreposição aos já muitos eleitos pelas ilhas noutro tipo de sufrágios.
Estes deputados regionais, recorde-se, têm praticamente o mesmo estatuto, regalias, vencimentos e outras mordomias dos deputados nacionais. O que quer dizer que aos 230 deputados da Assembleia da República se podem somar mais 120 das ilhas (52+68), o que perfaz um contingente de respeito: 350 deputados no nosso país.
Mas o que se torna verdadeiramente incompreensível e inadmissível é a proporção deputados/nº de eleitores atribuída aos Açores e à Madeira. Se, no Parlamento de S. Bento e com um eleitorado nacional de 8 milhões e 700 mil recenseados, essa proporção é de um deputado por cada 37.900 eleitores, nas ilhas ela assume valores ridículos. Nos Açores, com 190 mil recenseados, a proporção é de um deputado por apenas 3.648 eleitores. E na Madeira, com perto de 230 mil recenseados, a proporção cai ainda mais, para um deputado por cada 3.355 eleitores.
Para se ter uma noção mais aproximada do absurdo destes números, refira-se que a Assembleia da República deveria compor-se de 2.390 deputados se fosse levada em linha de conta a proporção deputado/nº de eleitores dos Açores e 2.598 deputados se fosse considerada a proporção da Madeira! Ao invés, se fosse aplicada às assembleias regionais a proporção nacional, os 68 deputados madeirenses reduzir-se-iam a 6 e os 52 parlamentares açorianos encolheriam para 5.
Nada justifica esta distorção e tamanha desproporção. Nem a insularidade da Madeira nem a particularidade geográfica das nove ilhas dos Açores. Nada justifica quando, ainda por cima, os dois arquipélagos têm inúmeros representantes eleitos a nível local (19 presidentes de Câmara nos Açores mais 11 na Madeira, além de incontáveis vereadores, presidentes e representantes de juntas de freguesia), elegem cinco deputados cada um para o Parlamento nacional, têm, em regra, eleitos no Parlamento europeu.
Nada justifica? Não é bem verdade. Há uma razão óbvia para tal excesso de deputados regionais e para tão escandalosa proporção entre eleitores e eleitos: o clientelismo partidário. Com umas largas dezenas de cargos políticos suplementares (e bem apetecíveis) para distribuírem entre as suas clientelas, os partidos insulares e nacionais não só silenciam como alimentam este absurdo, esta adiposidade de partidarite parlamentar. 68 deputados na Madeira?! 52 nos Açores?! Haja decoro.
Ainda está para chegar o dia em que um líder partidário do PS ou do PSD (ou mesmo do PCP ou do CDS, que também aproveitam esta benesse de lugares) revele a coragem política necessária para denunciar e pôr fim a tal escândalo.
21 Outubro 2004
(Extracto do artigo com o mesmo título em A OPINIÃO DE - JOSÉ ANTÓNIO LIMA-EXPRESSO)