Doença venosa: do peso nas pernas à úlcera, passando por derrames e varizes
A úlcera da perna é a pior consequência da doença venosa. Antes de atingir esta fase, surge uma sensação de peso, cansaço e dor nos membros inferiores. Depois, é a vez das inestéticas varizes.
Urge dar atenção às manifestações de uma doença que afecta mais de 50% das portuguesas e recorrer ao tratamento ainda numa fase precoce. Descubra aqui tudo o que escondem as pernas cansadas.
Mais de 50% das mulheres sofrem de doença venosa
Complexos estéticos, tromboses venosas ou úlceras de perna são, apenas, três das consequências por se ignorar sintomas e umas veias em destaque nas pernas. Vulgarmente chamadas varizes, em situações extremas podem contribuir para a incapacidade de trabalhar e desenvolver tarefas domésticas.
As varizes são, no entanto, uma manifestação da doença venosa, uma patologia crónica, que consiste na perda da função das veias, isto é, a perda da capacidade de transportarem o sangue venoso, já usado, dos membros inferiores para o coração.
«Na década de 90 foi realizado um estudo sobre a prevalência da doença venosa, no qual se chegou à conclusão que cerca de um terço dos portugueses na idade adulta sofriam de doença venosa», avança o Dr. Serra Brandão, cirurgião vascular e director do IRV Instituto de Recuperação Vascular.
«Segundo um inquérito feito a nível nacional pela Euroteste, em 2001, dois milhões de mulheres em idade adulta sofrem de doença venosa. Por outro lado, no estudo Detect do mesmo ano também se constatou que mais de metade não estavam a receber tratamento», acrescenta o cirurgião vascular.
E explica: «Apesar de terem os sintomas, não estavam a ser tratadas ou porque assumiam como facto consumado e nunca se queixaram ao médico, ou porque o próprio clínico não prestou a devida atenção.»
Apesar de existirem homens afectados pela doença venosa, eles são em menor número. Aliás, os dados já mencionados comprovam tal facto.
«As mulheres possuem mais factores de risco. Por exemplo, os homens não têm estrogénios e, por isso, não apresentam a sintomatologia específica da fase inicial da doença, em especial as dores», elucida Serra Brandão.
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Doença venosa: peso, cansaço e dor nas pernas
Se é verdade que as mulheres são mais afectadas pela doença venosa, são os homens que, geralmente, aparecem com complicações mais graves, como a úlcera da perna.
Isto porque a ausência de dor não os mobiliza a procurarem o especialista. Assim, deixam que a doença progrida e consultam um profissional quando as varizes são já muito volumosas ou já têm úlcera.
São as mulheres, pois, que são «brindadas» com os primeiros sintomas da doença venosa: sensação de peso, cansaço e dor nos membros inferiores.
«A manifestação dos sintomas iniciais pode ser, apenas, um sinal de alarme para uma pessoa que mais tarde virá a ter doença venosa», comenta Serra Brandão, salientando que «esse sinal de alarme é tão ou mais forte quando existem factores hereditários ou uma profissão de risco».
Constitui motivo de preocupação quando a sintomatologia inicial, após algum tempo, ou logo no início, tem associado o edema (inchaço), causado pela acumulação de sangue nos membros inferiores que, por sua vez, origina a tumefacção do pé e do tornozelo.
De acordo com o estudo Detect, 85% das mulheres que têm doença venosa apresentam também edema que, habitualmente, se encontra reduzido ou ausente ao levantar. Note-se que estas mulheres referiram ter muitas limitações nas tarefas laborais e domésticas.
«Se associado à sensação de peso, cansaço e dor, aparecer o edema é porque a doença já está declarada. Nessa altura, o doente deverá recorrer imediatamente a um cirurgião vascular», alerta o responsável pelo IRV, continuando:
«Geralmente, na primeira fase da doença, o médico de família ajuda a aliviar a sintomatologia, através da administração de flebotropos, medicamentos que actuam no tónus venoso, na drenagem linfática, havendo alguns que também actuam na microcirculação e melhoram as condições da circulação dos membros inferiores. Se os sintomas persistirem, o indivíduo deverá ser imediatamente enviado para um especialista para a doença não progredir.»
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Doença venosa: e além do inchaço?
Por não serem sinais visíveis, as pessoas «deixam andar». Todavia, as consequências de se ignorar a sensação de peso, cansaço, dor e o inchaço podem ser desastrosas.
Numa fase posterior, surgem isolada ou concomitantemente telangiectasias. Mais conhecidos por «derrames», são pequenos capilares que aparecem na pele, geralmente na zona do tornozelo, perna ou coxa.
«Mais tarde, se o doente não se tratar, as telangiectasias começam a dilatar e o sangue fica estagnado. Surgem então cordões varicosos, chamados vulgarmente de varizes. Estas vão evoluindo desde um tamanho mais reduzido até àqueles grossos cordões que vêm desde a virilha até ao pé», indica Serra Brandão.
Se, mesmo assim, o doente continuar a não dar importância ao tratamento, o sangue estagnado na perna pode originar flebites, tromboses venosas profundas e impede a oxigenação dos tecidos, bem como a troca das substâncias que os alimentam.
Desta forma, esses tecidos entram em sofrimento e, consequentemente, a pele começa a sofrer alterações torna-se mais escura e fina.
Nada agradável é o que poderá daí advir. Conforme diz o mesmo cirurgião vascular, «neste estádio da doença, surge o eczema e, com este, uma forte comichão.
Na fase seguinte, dá-se a abertura da úlcera de perna que, além do sofrimento e do tempo de cicatrização (entre seis meses a dois anos ou mais), provoca a incapacidade do doente».
É, pois, uma doença que quanto mais avançado for o estádio maior é a incapacidade a todos os níveis. Nos estádios mais evoluídos, o doente pode deixar de ter disposição para a convivência social e familiar, faltar ao emprego e reformar-se antecipadamente por invalidez.
Apesar de afectar indivíduos de todas as idades, obviamente, os grupos etários mais elevados, quando não tratados, têm a doença mais desenvolvida. Afinal, é uma patologia que se vai agravando com a idade, sendo que, normalmente, as pessoas mais novas apresentam estádios da doença em fases iniciais.
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Doença venosa: tratamentos, cuidados e vigilância
Para evitar todas estas consequências e melhorar a qualidade de vida, nada como travar o desenvolvimento da patologia.
«A doença venosa é complexa e mais complicada do que parece à primeira vista, pois é evolutiva e crónica», menciona Serra Brandão, prosseguindo:
«A doença propriamente dita e a sua causa nascem e morrem com o doente, mas existe um arsenal terapêutico e inúmeras medidas que impedem o sofrimento. Requer tratamento, cuidados e vigilância para toda a vida.»
Começando pela eliminação e redução dos factores de risco, na primeira linha, existem os medicamentos flebotropos, que aumentam a tonicidade da veia e conferem a elasticidade perdida. Por outro lado, melhoram as condições da microcirculação, evitando o inchaço e as alterações da pele e dos tecidos subjacentes, e evitam a ocorrência de flebites.
Nestes casos, pode, ainda, ser necessária a contenção elástica, através de meias ou collants com diversos graus de protecção e adequados a cada situação.
Relativamente ao tratamento medicamentoso, segundo Serra Brandão, «apesar de ser administrado praticamente para sempre, pode não ser contínuo, sobretudo nas épocas mais frias».
Quando a doença venosa se manifesta através dos derrames e das pequenas varizes, a opção será a escleroterapia (secagem), que consiste na injecção de um medicamento apropriado nos capilares. Estes são esclerosados e reabsorvidos pelo organismo.
Mediante a fase da doença, pode recorrer-se a diferentes métodos cirúrgicos. Nestas situações, é importante determinar o grau de desenvolvimento das varizes e o método mais indicado. O diagnóstico correcto e a confirmação se é ou não para operar é conseguido com o exame venoso ecodoppler a cor.
«Quando as varizes são detectadas nas fases iniciais, a intervenção cirúrgica poderá ser feita em regime ambulatório, com anestesia local ou com laser», observa o especialista, completando:
«Se as varizes estiverem bastante desenvolvidas, já não se pode operar em regime ambulatório nem utilizar o laser. O doente terá de ser internado, porque a intervenção terá de ser feita com anestesia geral. Se já existe úlcera de perna, a operação é mais complexa.»
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Doença venosa: recuperação do doente após a cirurgia
«As pessoas que têm de ser submetidas a uma cirurgia não devem ficar à espera que as varizes aumentem, porque quanto mais cedo forem operadas mais simples é a intervenção», aconselha Serra Brandão.
De facto, são notórias as diferenças da recuperação dos doentes que receberam diferentes intervenções cirúrgicas.
Caso o acto cirúrgico tenha sido realizado em regime ambulatório com laser, o indivíduo pode ir trabalhar no dia seguinte. Se o método usado em ambulatório foi o clássico, apesar de ir logo para casa, o doente terá de ter entre 10 a 15 dias de inactividade para o trabalho. Já na intervenção feita com anestesia geral, a recuperação será mais demorada, cerca de um mês.
«Em qualquer das situações, os resultados são excelentes, desde que seja feita a cirurgia correcta e indicada a cada caso», refere o cirurgião vascular.
Contudo, «a causa da doença venosa continua a existir, portanto, deverá ser observado pelo especialista uma ou duas vezes por ano», acrescenta Serra Brandão.
E conclui: «Se o diagnóstico for correcto e a cirurgia a indicada, o doente não deverá ser operado uma segunda vez, mas é natural que tenha de tomar os medicamentos flebotropos com regularidade e, eventualmente, usar contenção elástica. Com o decorrer dos anos poderá, ainda, ter de fazer uma secagem de derrames e pequenas varizes que possam aparecer.»
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Doença venosa: sofrimento inerente à estética
Para além de todas as consequências graves da doença venosa, não nos podemos alhear da própria estética.
Não é inegável. As varizes provocam igualmente o sofrimento inerente à estética.
Sobretudo as mulheres mais jovens, podem ficar com complexos. Podem, por exemplo, deixar de usar o vestuário que gostam e desejam ou não ir à praia para que os outros não vejam as manifestações desta patologia.
Mas os danos psicológicos são resolvidos se a doença for convenientemente tratada.
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Doença venosa: factores de risco
A actividade profissional é um factor de risco bastante relevante. Porém, existem múltiplos factores. Eis os principais:
Obesidade;
Sedentarismo;
Uso de terapêuticas hormonais, quer anticoncepcionais orais (pílula), quer terapias hormonais de substituição (THS);
Gravidez;
O facto de se ser mulher, devido aos estrogénios;
Ficar muito tempo em ambientes quentes, pois o calor dilata as veias e agrava a doença venosa.
Exemplos de situações a evitar: excesso de calor solar, depilações com cera muito quente, tomar banhos demasiado quentes e prolongados;
Todas as profissões que requeiram esforços físicos ou que obriguem a permanecer muito tempo em pé.
Considera-se muito tempo quando se está mais de 50% da actividade laboral ou diária em pé.
Por exemplo, as funcionárias das lavandarias, as enfermeiras, as cozinheiras ou as assistentes de bordo, além de terem um trabalho forçado e praticamente sempre de pé, em princípio, também são donas de casa, pelo que quando chegam a casa vão continuar de pé a fazer as tarefas caseiras.
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Doença venosa: conselhos úteis
Se sofre de doença venosa e se a mesma se encontra num estádio inicial, anote alguns conselhos úteis. Servem também para quem não padece da dita ou para aqueles com predisposição genética!
É fundamental comer com sensatez e ter uma dieta rica em fibras;
Perder e/ou manter o peso corporal;
Andar a pé e praticar desportos benéficos para esta situação, como a natação, o ciclismo, a marcha, o golfe, o ballet e a ginástica rítmica;
Evitar vestir roupa apertada;
Usar calçado adequado nem completamente raso, nem com saltos superiores a 5 cm;
Fazer um banho com água fria ou tépida e aplicar um gel tónico nas pernas, todos os dias;
Nas alturas de repouso, manter as pernas ligeiramente levantadas ou, pelo menos, esticadas em cima de um banco;
Nas situações em que a sintomatologia é mais evidente, poderá dormir com os pés mais elevados. Para o efeito, existem almofadas próprias;
Na praia, fraccionar os banhos solares com passeios à beira-mar, sobretudo, na zona da rebentação das ondas;
Não abusar do tabaco nem das bebidas alcoólicas.