
"Sempre que no Parlamento se levanta a voz plangente dum
ministro, pedindo que cresça a bolsa do fisco e se cubra
de impostos a fazenda do pobre, para salvação económica da
pátria, há agitações, receios, temores, inquietações,
oposições terríveis, descontentamentos incuráveis. O povo
vê passar tudo, indiferente, e atende ao movimento da
nossa política, da nossa economia, da nossa instrução, com
a mesma sonolenta indiferença e estéril desleixo com que
atenderia à história que lhe contassem das guerras
exterminadoras duma antiga república perdida.
(...)
Temos um déficit de 5.000 contos. Esta é a negra, a
terrível, a assustadora verdade. Quem o promoveu? Quem o
criou? De que desperdícios incalculáveis se formou? Como
cresceu? Quem o alarga? É o governo? Foram estes homens
que combatem, foram aqueles que defendem, foram aqueles
que estão mudos? Não. Não foi ninguém. Foram as
necessidades, as incúrias consecutivas, os maus métodos
consolidados, a péssima administração de todos, o
desperdício de todos. Depois, as necessidades da vida
moderna, de terrível dispêndio para as nações. Como na
vida particular, cresceram as superfluidades, o vão luxo,
o aparato consumidor, mais precisões, mais gastos, a vida
internacional tornou-se tão cara que mais ou menos todas
as nações estão esfomeadas e magras. (...) O déficit
tornou-se um vício nacional, profundamente arraigado,
indissoluvelmente preso ao solo, como uma lepra
incurável."
Assinado,
Eça de Queiroz, 1867