Entrevista a Artur Teles de Araújo
«É necessário alertar para o facto de que a tuberculose ainda existe», alerta Artur Teles de Araújo, Presidente da Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias
O número de casos de tuberculose tem vindo a diminuir, progressivamente, em Portugal. Os estudos epidemiológicos revelam mesmo que o risco de infecção reduziu para metade nos últimos 13 anos. Contudo, o presidente da Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias, Artur Teles de Araújo, alerta que é necessário que as populações estejam informadas para o facto de que a doença ainda existe – está até longe de ser erradicada. Por isso, em entrevista ao SAPO SAÚDE, o pneumologista esclarece algumas dúvidas, opinando também sobre o que se tem feito – ou que é desejável que se faça – para combater a tuberculose.
Apesar da diminuição de número de casos, Portugal continua a ser dos países da União Europeia com maior taxa de incidência de tuberculose...
Realmente, o número de casos de tuberculose tem vindo a diminuir no nosso país, de forma consistente, nos últimos anos. Por exemplo, no ano passado, Portugal registou 2916 casos, ou seja, uma descida de sete por cento em relação a 2007 (quando foram diagnosticados 3158 casos). Ou seja, os números têm descido progressivamente, mas são ainda elevados em relação a outros países da União Europeia, cuja média se situa nos 17 casos por cada 100 mil habitantes. Portugal regista cerca de 26 casos por cada 100 mil habitantes.
A que razões se podem dever esses números?
Os números devem-se a vários factores: um deles é porque a taxa de infecção em Portugal há uns anos era muito elevada, e, portanto, a descida é sempre relativamente lenta nesta fase. Por outro lado, a alta prevalência de casos de VIH/ Sida no país provavelmente também contribui para estes números. A co-infecção por VIH/ Sida e tuberculose é uma situação explosiva, e uma doença potencia a outra. E depois, há uma distribuição heterogénea dos casos de tuberculose no país. É nas zonas com maior concentração de populações, e, logo, de maior concentração de toxicodependência e de infecção por VIH/ Sida – como Lisboa, Porto, Setúbal e Faro –, que existem os valores mais elevados. Outros factores de risco têm a ver com más condições socioeconómicas, de habitação. Mas estes são factores em que é possível intervir.
O que se está a fazer, a nível governamental, para contrariar esses valores?
Existe o Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose, com uma cobertura razoável e resultados positivos: os estudos epidemiológicos revelam que o risco de ser infectado por tuberculose reduziu para metade nos últimos 13 anos. Por outro lado, os medicamentos são gratuitos, e a taxa de mortalidade por tuberculose desceu para metade na última década. Em Portugal, a detecção dos casos ronda os 90 por cento, e o sucesso terapêutico, ao fim de um ano, os 87 por cento. Portanto, alguma coisa está a ser feita. O que é necessário é que as populações estejam alertadas para o facto de que a doença ainda existe. É preciso estar alertado, embora não assustado.
Quais são os sintomas da tuberculose?
O sintoma mais predominante é haver uma tosse arrastada, com expectoração, que não cede às medicações habituais, e que se prolonga por umas semanas. Se a tosse não desaparece com a terapêutica e se não há uma razão clínica para isso, então há uma possibilidade de ser tuberculose. A pessoa deve ser observada pelo médico, que confirmará ou infirmará o diagnóstico.
Basicamente, o diagnóstico da tuberculose pulmonar – que é contagiosa e a mais frequente (pode haver outros tipos, mas são normalmente secundários) passa por fazer uma radiografia e análise de expectoração, para encontrar a bactéria – que é o que dá um diagnóstico absoluto. A radiografia do tórax, por si, dá indicações bastante seguras de que podemos estar em presença de um caso de tuberculose, que deverá ser, em todo o caso, confirmado pelo exame bacteriológico. É necessário um diagnóstico precoce, antes que a doença possa contagiar outras pessoas.
Todos os doentes com tuberculose podem transmitir a doença?
A maioria poderá. Na fase em que a tuberculose não foi diagnosticada e o doente tosse e expele expectoração, é possível o contágio. Contudo, se iniciou um tratamento, passado pouco tempo, a bactéria já não tem condições de se desenvolver noutras pessoas – ainda que o doente não esteja curado. Portanto, o perigo de contágio desaparece.
Por outro lado: todas as pessoas que entram em contacto com a bactéria podem ser contagiadas?
A maioria da população portuguesa está protegida pela vacina de BCG [sigla de bacilo Calmette-Guerin], que, embora longe de dar uma protecção absoluta, tem alguma eficácia. Mas, esteja vacinada ou não, a maioria das pessoas que entra em contacto com a bactéria, consegue, pelas suas defesas deter a agressão da bactéria, confiná-la e evitar que ela se desenvolva. Em algumas situações – ou porque a bactéria é mais virulenta, ou porque as pessoas estão um pouco mais debilitadas, ou por condições locais – a bactéria consegue então desenvolver-se. Mas o número dessas situações é relativamente baixo, comparativamente com o total de pessoas que são expostas à bactéria.
Disse que a vacina de BCG, que está integrada no Plano Nacional de Vacinação há umas décadas, não dá uma protecção absoluta. Qual a sua taxa de eficácia?
A vacina, de facto, não é cem por cento eficaz. Foi descoberta há mais de 80 anos, e a sua taxa de eficácia ronda os 60 por cento. Sobretudo, protege das formas mais graves, como, por exemplo, das meningites por tuberculose...
Na sua opinião, qual é o estado actual da investigação científica para o combate à tuberculose?
A investigação científica tem de desenvolver novas vacinas, mais eficazes, e novos medicamentos. Os fármacos para combater ou curar a tuberculose são eficazes, na maioria esmagadora dos casos, mas são muito antigos; o último a entrar na prática clínica, a rifampicina, fê-lo em 1967. Portanto, as bactérias também começam a criar resistência.
Outro problema no tratamento da tuberculose é que tem uma grande duração – seis meses, no mínimo – e é necessário associar três ou quatro antibióticos. Ora, isso faz com que haja uma tendência para que as pessoas abandonem o tratamento. Portanto, é preciso encontrar novos fármacos que sejam eficazes e que eventualmente permitam reduzir o tempo de tratamento. São essas as linhas de investigação que se começam a desenhar. Houve um certo abandono da investigação para o combate à tuberculose, mas, actualmente, está a ser retomada.
Considera que se tem esquecido o combate à tuberculose?
Sem dúvida que, a partir da década de 70 do ano passado, se pensou que havia medicamentos eficazes, e que a doença a prazo iria extinguir-se. Talvez por isso, houve uma desarticulação, um abandono do combate à doença em todo o mundo. E a tuberculose não se extinguiu; pelo contrário, começa a ter formas resistentes que vêm complicar mais o problema. Está longe de estar extinta, e é preciso que uma organização combata a doença em todos os países – não estamos só a falar de Portugal – e que haja uma investigação no sentido de encontrar novos fármacos mais eficazes e baratos, que permitam tratamentos mais curtos, e também uma vacina mais eficaz do que a actualmente existente, que permita proteger cabalmente as populações a nível mundial.
Como avalia o trabalho desenvolvido neste sentido, a nível internacional?
O Dr. Jorge Sampaio [Enviado Especial das Nações Unidas para a Luta contra a Tuberculose] tem tido um papel assinalável no combate à doença. Tem tentado acordar os governos e o mundo para a necessidade não só de investigação como também de fazer chegar os medicamentos e as armas existentes a toda a população mundial. A tuberculose nos países em vias de desenvolvimento é um problema gravíssimo – 98 por cento dos cerca de dois milhões de mortes por essa doença ocorrem nesses países. Mas é um problema que se pode estender – e estende-se – aos países desenvolvidos, porque as comunicações são mais fáceis. Trata-se, por isso, de um problema global, e deve ser encarado desse modo. Os países desenvolvidos têm de pensar que têm que ajudar os países menos desenvolvidos na luta contra a tuberculose. Alguma coisa tem sido feita, mas penso é que é preciso fazer mais, seguramente.
É mesmo possível erradicar a doença?
Há várias doenças (não só bacterianas, mas virais, também), como a poliomielite ou a varíola, que foram erradicadas. Se nós encontrarmos uma vacina que seja 100 por cento eficaz é possível que a doença venha a ser erradicada. Mas vai demorar umas dezenas de anos, com certeza.
Texto: Ana João Fernandes